Reproduzo um trecho de O Culto do amador, de Andrew Keen (Editora Jorge Zahar). A crítica que ele faz aos entusiastas e à possibilidade de quaquer pessoa produzir conteúdo na internet é ácida. Ele defende firmemente a ideia de que tantas referências, tantas coisas jogadas na web, a substituição da autoridade do assunto pelo amador está empobrecendo e abalando as nossas estruturas.
Conheço várias pessoas com dificuldades de se decidir se aquele artigo encontrado na internet servirá como referência para seu trabalho acadêmico. Gente que está tendo a oportunidade de se apropriar do saber acadêmico agora e já se confunde com a profusão de referências na net.
Eu gosto bastante dos autores que veem a internet como uma ferramente positiva, até porque faço muito uso de suas possibilidades, mas acompanhar seriamente o raciocínio de Keen nos faz concordar com ele.
Toda aula agora escuto meus alunos perguntando se eu tenho a versão on line, pdf, e-book dos materiais que estou indicando. Mas muita coisa está no velho livro de papel. Que aliás, me é caro.
Muitas vezes, levar o recorte do jornal mostra uma faceta diferente do que pegar o mesmo texto on line, uma vez que a parte gráfica ocorre diferente em ambos os suportes.
O que Keen mais critica é a trolagem, o inverídico e as porcarias advindas do anonimato. As farsas do usuário-como-qualquer-um que muitas vezes está patrocinada por grandes empresas.
Neste trecho, ele critica principalmente o que seria uma biblioteca líquida:
"Kevin Kelly, mais um utópico do Vale do Silício, quer a completa extinção do livro - bem como dos direitos de propriedade intelectual de escritores e editores. De fato, quer reescrever a própria definição de livro, digitalizando todos os livros num único hipertexto universal de fonte aberta e gratuito - como uma imensa Wikipédia literária. Num "manifesto" publicado em maio de 2006 na New York Times Magazine, Kelly descreve isso como a "versão líquida" do livro, uma biblioteca universal em que "cada livro está interconectado, agrupado, citado, resumido, indexado, analisado, anotado, remixado, reagrupado, e mais profundamente inserido na cultura do que nunca. E, para Kelly, não tem a menor importância que o colaborador para essa utopia hipertextual seja Dostoievski ou um dos sete anões.
"Depois de digitalizados", diz Kelly, "os livros podem ser desemaranhados em páginas únicas ou ser ainda mais reduzidos até retalhos de páginas. Esses retalhos serão remixados em livros reordenados em estantes de livros virtuais." É o equivalente virtual de arrancar todas as páginas de todos os livros do mundo, rasgá-las linha por linha e colá-las de volta em infinitas comunidades de idéias. Na minha, pressagia a morte da cultura.
Para qualquer pessoa com a noção mais elementar da santidade do livro e respeito pelo trabalho árduo do autor, as implicações do que Kelly sugere são, eu diria, obscenas. Crime e castigo ainda seria Crime e castigo se você removesse a cena em que Raskólnikov assassina a agiota? Deveria eu estar autorizado a remixar Moby Dick de modo que Ahab localize a baleia no início da viagem? A República de Platão ainda seria o mesmo livro se contivesse um capítulo de Locke e um parágrafo de Kant? Um livro acabado não é uma caixa de Legos a serem recombinados e reconstruídos a nosso bel-prazer.
A visão 2.0 de Kelly talvez seja o objetivo supremo do nobre amador. Em sua versão do futuro, a escrita individual será distribuída gratuitamente online. Os escritores não mais receberão royalties por seu trabalho criativo, mas terão de recorrer a palestras e à venda de acessórios para ganhar a vida.
O resultado: escritores amadores e conteúdo amador - todos são Drudges e ninguém é Dostoievski. Sem um modelo de empresa editorial viável, a biblioteca universal de Kelly degeneraria numa vanity press universal - uma confusão hipertextual de lixo não editado, ilegível. Livrarias e editoras desaparecerão. Tudo que nos restará ler serão nossas versões de nossas próprias histórias. (p.57/8)" O Culto do amador, de Andrew Keen. Editora Jorge Zahar".
É o debate informação x conhecimento nos pegando de calças curtas. Essa biblioteca líquida me parece um patchwork do qual poucos poderão se apropriar.
Enfim, que não sejamos nem apocalípticos nem os cegamente integrados. Fato é que tudo isso que está aí está mudando nossas estruturas de compartilhamento de informações e saber.
Vale a pena checar.
Abç
Tânia
Conheço várias pessoas com dificuldades de se decidir se aquele artigo encontrado na internet servirá como referência para seu trabalho acadêmico. Gente que está tendo a oportunidade de se apropriar do saber acadêmico agora e já se confunde com a profusão de referências na net.
Eu gosto bastante dos autores que veem a internet como uma ferramente positiva, até porque faço muito uso de suas possibilidades, mas acompanhar seriamente o raciocínio de Keen nos faz concordar com ele.
Toda aula agora escuto meus alunos perguntando se eu tenho a versão on line, pdf, e-book dos materiais que estou indicando. Mas muita coisa está no velho livro de papel. Que aliás, me é caro.
Muitas vezes, levar o recorte do jornal mostra uma faceta diferente do que pegar o mesmo texto on line, uma vez que a parte gráfica ocorre diferente em ambos os suportes.
O que Keen mais critica é a trolagem, o inverídico e as porcarias advindas do anonimato. As farsas do usuário-como-qualquer-um que muitas vezes está patrocinada por grandes empresas.
Neste trecho, ele critica principalmente o que seria uma biblioteca líquida:
"Kevin Kelly, mais um utópico do Vale do Silício, quer a completa extinção do livro - bem como dos direitos de propriedade intelectual de escritores e editores. De fato, quer reescrever a própria definição de livro, digitalizando todos os livros num único hipertexto universal de fonte aberta e gratuito - como uma imensa Wikipédia literária. Num "manifesto" publicado em maio de 2006 na New York Times Magazine, Kelly descreve isso como a "versão líquida" do livro, uma biblioteca universal em que "cada livro está interconectado, agrupado, citado, resumido, indexado, analisado, anotado, remixado, reagrupado, e mais profundamente inserido na cultura do que nunca. E, para Kelly, não tem a menor importância que o colaborador para essa utopia hipertextual seja Dostoievski ou um dos sete anões.
"Depois de digitalizados", diz Kelly, "os livros podem ser desemaranhados em páginas únicas ou ser ainda mais reduzidos até retalhos de páginas. Esses retalhos serão remixados em livros reordenados em estantes de livros virtuais." É o equivalente virtual de arrancar todas as páginas de todos os livros do mundo, rasgá-las linha por linha e colá-las de volta em infinitas comunidades de idéias. Na minha, pressagia a morte da cultura.
Para qualquer pessoa com a noção mais elementar da santidade do livro e respeito pelo trabalho árduo do autor, as implicações do que Kelly sugere são, eu diria, obscenas. Crime e castigo ainda seria Crime e castigo se você removesse a cena em que Raskólnikov assassina a agiota? Deveria eu estar autorizado a remixar Moby Dick de modo que Ahab localize a baleia no início da viagem? A República de Platão ainda seria o mesmo livro se contivesse um capítulo de Locke e um parágrafo de Kant? Um livro acabado não é uma caixa de Legos a serem recombinados e reconstruídos a nosso bel-prazer.
A visão 2.0 de Kelly talvez seja o objetivo supremo do nobre amador. Em sua versão do futuro, a escrita individual será distribuída gratuitamente online. Os escritores não mais receberão royalties por seu trabalho criativo, mas terão de recorrer a palestras e à venda de acessórios para ganhar a vida.
O resultado: escritores amadores e conteúdo amador - todos são Drudges e ninguém é Dostoievski. Sem um modelo de empresa editorial viável, a biblioteca universal de Kelly degeneraria numa vanity press universal - uma confusão hipertextual de lixo não editado, ilegível. Livrarias e editoras desaparecerão. Tudo que nos restará ler serão nossas versões de nossas próprias histórias. (p.57/8)" O Culto do amador, de Andrew Keen. Editora Jorge Zahar".
É o debate informação x conhecimento nos pegando de calças curtas. Essa biblioteca líquida me parece um patchwork do qual poucos poderão se apropriar.
Enfim, que não sejamos nem apocalípticos nem os cegamente integrados. Fato é que tudo isso que está aí está mudando nossas estruturas de compartilhamento de informações e saber.
Vale a pena checar.
Abç
Tânia
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