sábado, 7 de maio de 2011

O mágico e os carneiros - Marina Colasanti

Mais uma crônica que eu adoro de Marina Colasanti. Espero que curtam.
Um ótimo fim de semana a todos.


O mágico e os carneiros
E, como começam todas as histórias infantis, "Era uma vez... um mágico que gostava de criar carneiros".

E quase todos os dias o mágico reunia o rebanho, escolhia um que estivesse mais gordo e o abatia, ali, na frente dos outros, para comercializar a carne no açougue da cidade.

Os carneiros, de tanto presenciar aquelas cenas, começaram a ficar apavorados, temendo que, a cada vez que viesse o mágico para reuni-los, chegasse a sua vez. E, de tanta preocupação, começaram a perder peso.

E isso passou a preocupar o mágico, pois prejudicava seus negócios.
Homem esperto, resolveu hipnotizar os carneiros. Para um, fazia com que acreditasse ser um leão.

A outro, induzia-o a acreditar ser um cavalo. Outro, que era um cachorro. E daí por diante, de forma que cada um dos carneiros ficou acreditando ser animal diferente.

A cada vez que o mágico pegava um dos carneiros e o abatia, ali, pendurado na mesma árvore, os outros não ficavam incomodados. Tranquilos, ficavam pensando, descansados, que tal fato jamais aconteceria com eles, pois sabiam que o mágico só pegava carneiros. E eles não eram carneiros.

Eram outros bichos, mas não eram carneiros. Tinham noção de que alguma coisa de ruim estava acontecendo, mas, ora, porque se preocupar? Fosse o que fosse, certamente não era problema deles... E seguiam suas vidas, mansamente, enquanto o rebanho ia sendo dizimado.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O da foto – Luis Fernando Verissimo


Quem paquera na internet por ter suas surpresas. Confira no texto de LFV. Mais antigamente, as pessoas também faziam anúncios em jornais e revistas e trocavam fotos, que poderiam corresponder à verdade, ou não. Exatamente com hoje.
Espero que gostem.

O da foto - Luis Fernando Verissimo

Ela com 18 anos, ele bem mais velho. Mas no seu chat pela internet os dois tinham mentido. Ela dissera “mais de 20″, ele “menos de 35″. Ela se descrevera como romântica, carinhosa e um pouco teimosa. Ou, como dizia a sua mãe, “cabeça dura”. Ele fora mais vago: era sincero, amigo dos amigos, talvez um pouco obsessivo. Ela gostava de frutos do mar, rock e algumas novelas. Ele Chico e Caetano, e só ligava a TV para ver as notícias e o futebol.
Depois de algumas semanas, em que tinham descoberto alguns gostos e desgostos em comum, marcaram um encontro num bar. E trocaram fotografias.
Ela chegou no bar primeiro. Olhou em volta, procurando um rosto que correspondesse ao da fotografia que ele mandara. Ele ainda não estava lá. Ela pediu uma Coca Dieta e ficou olhando para a fotografia.
Pensando: tirei a sorte grande. Gostamos das mesmas coisas. Rimos das mesmas coisas. E ele, ainda por cima, tem esses olhos azuis.
Um homem parou ao lado da mesa e disse:
- Olá.
Ela levantou os olhos. Não era ele. Disse:
- Alô…
- Sou eu – disse o homem.
Não era ele. Ou não era o da fotografia.
- Desculpe – disse ela. – Estou esperando alguém que…
- Sou eu – repetiu o homem. E disse seu nome.
- Mas esta fotografia… – mostrou ela.
- É do James Dean.
- Quem?
- James Dean. O ator.
O homem não era feio. Ou pelo menos não era repugnante. Mas era mais velho do que o da foto. E não tinha olhos azuis.
- Pensei que você fosse achar engraçado – disse ele.
- Achar o que engraçado?
- Eu mandar uma foto do James Dean em vez da minha.
- Por que eu acharia engraçado?
- Era uma brincadeira. Você logo ia ver que não era eu, que eu estava me auto-ironizando e…
O homem desistiu no meio da frase. Viu pela expressão no rosto dela que ela não estava entendendo nada. Perguntou:
- Você não reconheceu o James Dean, é isso?
- Eu não sei quem é o James Dean.
- Ta – disse o homem.
E sentou-se. Ainda conversaram um pouco, sem muito entusiasmo. Ela tentando esconder a decepção porque ele nem se parecia com o da foto. Ele pensando: que futuro eu posso ter com alguém que não sabe quem foi o James Dean? Com alguém do outro lado do abismo?
Ele pagou pela Coca, apesar dos protestos dela, se despediram e nunca mais se viram.

Fonte: Gazeta do povo. Curitiba, domingo, 7 de junho de 2009.

Grande abraço
Tânia

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A felicidade não existe - João Pereira Coutinho

Gostei muito desse texto, A felicidade não existe, de João Pereira Coutinho. Espero que gostem também.
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A felicidade não existe Felicidade: haverá tema mais infeliz? É o único conselho: não vale a pena seguir conselhos. Livros de auto-ajuda são livros de anti-ajuda. Transformam a felicidade em direito e, coisa pior, em dever. Conheço casos: gente que começou infeliz lendo um desses manuais e, no final da odisseia, estava mais infeliz ainda.






Se assim é para os indivíduos, o cenário piora para as nações. Falar de um "país feliz" é tão absurdo como falar de um "hipopótamo voador". Os países não são pessoas. Mas os políticos tentam.

Leio regularmente que, por toda a Europa, filósofos, psicólogos e economistas estudam medidas públicas destinadas a elevar a felicidade da população. Alguns especialistas falam mesmo em "Felicidade Interna Bruta" como mais importante que "Produto Interno Bruto" para medir a riqueza de um país.

E, nos Estados Unidos, conta o "The New York Times" que o Censo de Boston começou a perguntar aos habitantes quão felizes eles se sentiam. A ideia do poder político é reunir respostas, fazer gráficos rigorosos sobre os humores da população - e depois aplicar medidas para tornar o pessoal mais alegre. Sem ser através de químicos no ar ou na água.


Aviso já: nada disso funciona. E não funciona porque a felicidade não existe - no coletivo. Existem felicidades particulares, individuais, muitas vezes intransmissíveis, que não podem ser reduzidas a um denominador comum. Eu sou feliz quando toco bandolim. O meu vizinho é infeliz quando me ouve a tocar bandolim. Caso encerrado.

As pessoas não são números. São pessoas: distintas, irrepetíveis. Muitas vezes insondáveis e insolúveis. E aquilo que as torna felizes, ou infelizes, varia de caso para caso --e, mais ainda, de momento para momento. De nada vale eu responder ao Censo que me sinto feliz hoje quando, ainda ontem, eu estava infeliz da vida.

Mas a felicidade não é apenas um conceito deslocado para pensarmos politicamente; é sobretudo perigoso. A ideia 'utilitarista' de que o governo deve perseguir sempre 'a maior felicidade para o maior número', apesar do seu agradável apelo democrático, pode legitimar situações intrinsecamente desumanas ou imorais.


Se, por hipótese remota, uma comunidade se sente feliz perseguindo judeus, ou negros, ou mulheres, ou homossexuais, ou anões, que podem os "utilitaristas" responder a esse conjunto de preferências coletivas? Acreditar que a vida moral é uma mera questão quantitativa abrirá sempre portas para horrores mil.


O Estado quer "promover" a felicidade? Muito simples: basta que se retire das vidas individuais sem exercer sobre elas qualquer poder paternal, autoritário, totalitário.


Quando um Estado pergunta "quão feliz você se sente?", só é possível responder a isso com uma nova pergunta: "E o que você tem a ver com o assunto?"


João Pereira Coutinho, 34 anos, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha.com.

Fonte: Folha.com. 02/05/2011


Uma ótima quinta
Tânia






quarta-feira, 4 de maio de 2011

ABC, Luís Fernando Veríssimo

E para você, como foi essa fase? Eu lembro bastante de quando fui alfabetizada na escola. Cartilha, pontilhados até conseguir fazer a própria letra. E, claro, o método silábico. B+a=ba, b+e=be e assim por diante. Fase boa. 


ABC, Luís Fernando Veríssimo
Quando a gente aprende a ler, as letras, nos livros, são grandes. Nas cartilhas - pelo menos nas cartilhas do meu tempo - as letras eram enormes. Lá estava o A, como uma grande tenda. O B, com seu grande busto e sua barriga ainda maior. O C, sempre pronto a morder a letra seguinte com a sua grande boca. O D, com seu ar próspero de grão-senhor. Etc. Até o Z, que sempre me parecia estar olhando para trás. Talvez porque não se convencesse que era a última letra do alfabeto e quisesse certificar-se de que atrás não vinha mais nenhuma.

As letras eram grandes, claro, para que decorássemos a sua forma. Mas não precisavam ser tão grandes. Que eu me lembre, minha visão na época era perfeita. Nunca mais foi tão boa. E no entanto os livros infantis eram impressos com letras graúdas e entrelinhas generosas. E as palavras eram curtas. Para não cansar a vista.

À medida que a gente ia crescendo, as letras iam diminuindo. E as palavras, aumentando. Quando não se tem mais uma visão de criança é que se começa, por exemplo, a ler jornal, com seus tipos miúdos e linhas apertadas que requerem uma visão de criança. Na época em que começamos a prestar atenção em coisas como notas de pé de página, bulas de remédio e subcláusulas de contrato, já não temos mais metade da visão perfeita que tínhamos na infância, e esbanjávamos nas bolas da Lulu e no corre-corre do Faísca.

Chegamos à idade de ler grossos volumes em corpo 6 quando só temos olhos para as letras gigantescas, coloridas e cercadas de muito branco, dos livros infantis. Quanto mais cansada a vista, mais exigem dela. Alguns recorrem à lente de aumento para seccionar as grandes palavras em manejáveis monossílabos infantis. E para restituir às letras a sua individualidade soberana, como tinham na infância.

O E, que sempre parecia querer distância das outras. O R! Todas as letras tinham pé, mas o R era o único que chutava. O V, que aparecia em várias formas: refletido na água (o X), de muletas (o M), com o irmão siamês(o W). O Q, que era um O com a língua de fora.

De tanto ler palavras, nunca mais reparamos nas letras. E de tanto ler frases, nunca mais notamos as palavras, com todo o seu mistério. Por exemplo: pode haver palavra mais estranha do que "esdrúxulo"? É uma palavra, sei lá. Esdrúxula. Ainda bem que nunca aparecia nas leituras da infância, senão teria nos desanimado. Eu me recusaria a aprender uma língua, se soubesse que ela continha a palavra "esdrúxulo". Teria fechado a cartilha e ido jogar bola, para sempre. As cartilhas, com sua alegre simplicidade, serviam para dissimular os terrores que a língua nos reservava. Como "esdrúxulo". Para não falar em "autóctone". Ou, meu Deus, em "seborréia'!

Na verdade, acho que as crianças deviam aprender a ler nos livros do Hegel e em longos tratados de metafísica. Só elas têm a visão adequada à densidade do texto, o gosto pela abstração e tempo disponível para lidar com o infinito. E na velhice, com a sabedoria acumulada numa vida de leituras, com as letras ficando progressivamente maiores à medida que nossos olhos se cansavam, estaríamos então prontos para enfrentar o conceito básico de que vovô vê a uva, e viva o vovô.

Vovô vê a uva! Toda a nossa inquietação, nossa perplexidade e nossa busca terminariam na resolução deste enigma primordial. Vovô. A uva. Eva. A visão. Nosso último livro seria a cartilha. E a nossa última aventura intelectual, a contemplação enternecida da letra A. Ah, o A, com suas grandes pernas abertas.

in Comédias para se ler na escola, de Luís Fernando Veríssimo

Uma ótima quarta.

terça-feira, 3 de maio de 2011

O livro de Papel já morreu? - Gilberto Dimenstein

Reproduzo aqui o texto do Gilberto Dimenstein porque estas questões de livro, cultura e as mudanças nas práticas de leitura e escrita muito me interessam.
Não acredito que o livro morrerá, não definitivamente. Acredito que haverá coexistência, formas e formas de ler. Sem falar que ainda tem muita gente que detesta ler no computador.

O livro de Papel já morreu? - Gilberto Dimenstein

USANDO AS NOVAS ferramentas de comunicação, um grupo de professores da África do Sul está inovando o jeito como se produzem livros didáticos e acabaram se transformando numa experiência acompanhada por diversos centros de tecnologia do mundo. Espalhados em diversas partes do país, eles escrevem coletivamente, numa página da internet, livros sobre todas as matérias ensinadas nas escolas. Mas cada professor adapta o conteúdo para sua realidade local, a começar do seu bairro. Um mesmo livro, portanto, pode ter centenas de diferentes versões.
Como nem todas as escolas têm acesso à internet (onde os conteúdos estão disponíveis gratuitamente), encontraram uma saída. Sem cobrar direitos autorais, eles organizam o material e entregam textos para editoras tradicionais. O livro chega às escolas com um preço mais barato. “Em pouco tempo, o papel será dispensável”, disse o físico Mark Horner, um dos coordenadores do projeto batizado de Siyavula. Essa foi uma das experiências que chamaram a atenção num encontro na semana passada que reuniu, nos EUA, alguns especialistas em inovações tecnológicas e educação. Serve como mais uma provocação sobre o futuro da produção e distribuição do conhecimento no geral e dos livros e dos escritores em particular.

O fim do livro de papel é tido como uma questão de tempo. Isso significa que as livrarias vão desaparecer? Para quem, como eu, tem prazer de andar por livrarias e sentir o papel, essa é uma pergunta incômoda. Andando aqui no metrô, vemos quanta gente aderiu ao livro eletrônico. Algumas escolas resolveram aposentar os livros didáticos de papel, usando até o argumento de que, assim, deixam as mochilas mais leves e preservam a saúde dos estudantes. Comemora-se até o fato de que, com os novos aparelhos, cresce a venda entre os mais jovens. Com o aumento do consumo dos e-books, surgiu um mercado paralelo legal e clandestino de distribuição de arquivos.

Está acontecendo com os escritores o que, no passado, ocorreu com os músicos, quando surgiu o Napster. Depois de muita briga por causa da troca clandestina de arquivos, começaram a reinventar um novo modelo de negócios. Mas cada vez se ganha menos dinheiro vendendo CDs aliás, quase ninguém mais vende CDs. Assim como os mais jovens já não usam mais relógios de pulso. Nem e-mail. A onda de aplicativos está tornando até obsoleta a internet do www. Os músicos podem compensar a queda da renda fazendo shows. O que os escritores deveriam fazer? Palestras remuneradas? Podemos não gostar quando uma mudança tecnológica nos afeta, mas adoramos poder falar pelo Skype sem pagar a ligação telefônica.Não é tão diferente assim dos desafios do jornal que se estruturam para cobrar os conteúdos digitais.
É um desafio que atinge as escolas. Os conteúdos das matérias já podem ser encontrados na internet, algumas vezes com recursos mais interessantes e provocativos do que os dados em sala de aula. O Media Lab, do MIT, desenvolveu uma plataforma (Scratch) em que as próprias crianças fazem seus jogos e trocam suas criações pelo mundo aliás, o MIT desenvolveu conteúdos gratuitos só para o ensino médio.

Como a transmissão do conhecimento não para de crescer, os modelos de negócio, depois do baque, vão se reinventando, gerando perdedores e ganhadores. Alguém poderia imaginar que jornais pagariam parte dos salários dos jornalistas com base no número de clicks em suas páginas ou matérias na internet? Estudos têm mostrado que, depois da onda provocada pelo Napster, não diminuiu a produção musical pelo mundo e a produção de aplicativos foi estimulada. Os desafios da sustentabilidade são enormes, mas as oportunidades são maiores ainda.

Um caso está correndo aqui em Harvard, onde ganha força um ambicioso projeto para criar a maior biblioteca digital do mundo, que é acessível a todos. A pretensão é nada menos do que selecionar todo o conhecimento já produzido pela humanidade. Uma das inspirações é a Europeana, na qual se encontra 15 milhões de versões digitais de livros e obras de arte. Além de Harvard, estão aderindo ao projeto as maiores universidades americanas com seus monumentais acervos de livros, além da biblioteca do Congresso americano. Representantes da Apple, Microsoft e Google estão participando dos encontros.


Os livros de papel, os CDs e até as escolas tradicionais podem morrer. Mas o conhecimento está cada vez acessível.
PS.: Coloquei na internet (http://www.catracalivre.com.br/) mais detalhes dos projetos citados nesta coluna.

Fonte: Folha de São Paulo (10/4/2011)

E você, o que pensa disso tudo?
Tenha um ótimo dia.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Novidades no blog

Tem algum tempo que criei este blog e comecei focada principalmente em livros. Continuo com os preferidos a minha volta. Mas, de acordo com a necessidade, vamos adaptando os textos trazidos ao blog.

Tenho colecionado inúmeros textos para as aulas da graduação e, especialmente, para a disciplina de Oficina de leitura e produção textual.

Vou usar o blog para divulgar tais textos dentre meus alunos e outros professores, ao mesmo tempo em que esse compartilhar se torna uma forma de organizar tudo aquilo que acho de mais legal.

Charges, quadrinhos, autores diversos, cronistas, me gusta de tudo um pouco. Vou soltar diariamente uma bela sequência de Marina Colasanti, Luis Fernando Verissimo, Carlos Heitor Cony, João Ubaldo Ribeiro e muitos outros.

Espero que gostem. E voltem.
Até amanhã.
Abç
Tânia