terça-feira, 2 de novembro de 2010

Rodeio de Gordas - reflexão por Márcio Scheel

Eu recebi de um colega este e-mail de outro colega nosso de profissão e pedi imediatamente para que eu pudesse reproduzi-lo neste blog.  

Concordo com a discussão. Lembro, ainda com pesar, dos casos  mencionados, anteriores ao Rodeio de Gordas. E se a Universidade não expulsar os responsáveis, ela deveria colocá-los para servir a sociedade de alguma forma.

Cidadania e educação se traz de casa. Mas se o indíviduo chega à Universidade com este nível de imaturidade, a Instituição deve contar com mecanismos para ensiná-lo como se portar em sociedade, nas festas, no trabalho, na vida, ou seja, sair da universidade como GENTE. 

Há uma misogenia subjacente a esse caso. Mas esse é um assunto que quero discutir em outra oportunidade.  

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Faço minhas as palavras de Márcio Scheel:

"Caros Colegas, espero que estejam todos bem!

Concordo com Sebastião, que define o ocorrido como barbárie. Não há uma palavra melhor, que sirva com mais precisão para caracterizar uma prática vergonhosa, desumana e, por isso mesmo, extremamente condenável. Defini-la como sendo "só uma brincadeira", como o fez o aluno Roberto Negrini, indicado pela reportagem da Folha de São Paulo, sugere uma inocência quase pueril, coisa que a ação em si mesma desmente.

Não há inocência alguma em laçar colegas, montá-las e insultá-las com toda a sorte de impropérios. O que o referido aluno ignora é que uma brincadeira, para existir como tal, exige que, do outro lado, o "outro" - essa figura cada vez mais abstrata - partilhe das regras, aceite as condições, entenda os princípios e pactue com o jogo porque, em toda brincadeira, há sujeito e sujeito, nunca um e outro. Vale lembrar que a justificativa de que "era só uma brincadeira" já foi usada por filhos diletos da elite brasiliense depois de atearem fogo em Galdino Jesus dos Santos, uma das lideranças da Tribo Pataxó, que havia se deslocado até Brasília para participar de uma manifestação pelo Dia do Índio contra a exploração latifundiária de terras indígenas, e que dormina enrolado em um cobertor numa parada de ônibus. Foi confundido por cinco jovens inteligentes que alegaram estar brincando com alguém que julgavam ser um mendigo. Isso foi em 1997.

Vale lembrar que, em 2007, cinco jovens de classe média carioca, imbuídos do mesmo espírito brincalhão, agrediram a socos e pontapés a empregada doméstica Sirlei Dias de Carvalho Pinto, e, não contentes, a roubaram e humilharam publicamente. Justificativa: era só uma brincadeira contra o que eles consideravam ser uma "vagabunda", ou seja, uma prostituta.

Alguns podem pensar que esses são exemplos extremos. Não são. Na verdade, as três "brincadeiras", uma delas profundamente terrível, já que envolve a morte do outro, são acontecimentos ultrajantes, vergonhosos, que nos obrigam a questionar determinados valores, práticas e ideias que movem parte da juventude brasileira contemporânea - uma juventude quase sempre rica, bem nascida e bem estudada, com acesso à universidade pública e à formas de conhecimento crítico que deveriam, no fim das contas, servir como um instrumento para, parafraseando Platão, tirá-la da caverna - dos preconceitos, das atitudes impensadas, dos comportamentos racistas, discriminatórios e constrangedores.

A impressão que fica é que índios, prostitutas e gordas podem ser pacificamente humilhados.

Promover um "Rodeio das Gordas", que envolve montar em estudantes que deveriam ser tratadas como pares, como iguais, como colegas, significa, em última instância, uma degradação imperdoável dos códigos morais e das relações éticas que orientam o convívio humano. a ação desses estudantes denuncia como parte de nossa juventude percebe as relações sócio-educacionais: um espaço hierarquicamente ordenado no
qual Eu é sempre maior do que Nós. trata-se de uma ideologia da desigualdade, da diferença, da desemelhança. e isso é que me assusta. montar as colegas universitárias, num crime (eu me nego, a partir de agora, a usar a expressão "brincadeira") que ofende a honra, a moral, a imagem pública do outro, e que vai de encontro à própria ordem jurídica, é ainda mais vergonhoso quando pensamos que este se dá a partir de uma (i)lógica que afirma, implícita ou explicitamente, a força do homem, a dominação, o controle do macho. estupidez de primeira grandeza.

Esse tipo de pensamento e de forma de agir só é possível porque, como afirma Millor Fernandes, num texto intitulado "Zwingliano, Zuzara (últimas palavras)", uma das melhores e mais duras análises do caráter humano que já li até hoje: "não há quem não tenha uma justificativa absolutamente correta pro seu erro, seu mau-caratismo, seu péssimo humor, sua violência. Mas as justificativas não eliminam o fato de que todos nós só queremos a nós mesmos; o irmão que se rompa. Mesmo o mais humilde, o "sacerdote" mais "santo", a sua vanglória o arrasta, pelo menos, a querer ser "o mais humilde do ano"". Temo que casos assim sejam o reflexo de uma sociedade que vem se tornando cada vez mais individualista, egoísta e hedonista, cujo prazer começa no sujeito e tem sua razão de ser exclusivamente nele. O outro, como já disse, vai virando uma miragem a cada dia mais distante.

É claro, não penso que todos os nossos alunos se comportem assim ou sejam capazes de atitudes desse tipo. ao contrário, sei que a maioria deles respeita não só a universidade e o conhecimento, mas o lugar dos indivíduos nesse espaço e em nossa sociedade. Gostaria de acreditar, no entanto, que o que aconteceu no Interunesp foi uma prática de idiotas, orquestrada por idiotas, porque o idiota é a única figura metafísica que conheço. Mas seria isentá-los de responsabilidades. Não. Não foi uma prática de idiotas, justamente porque os envolvidos não podem alegar ignorância, despreparo, falta de formação. são universitários. Não há defesa para eles, bem como não há justificativas para o que fiezeram. Nem a idiotia.

O fato é que agiram de má-fé, que premeditaram as ações, que criaram uma página numa comunidade virtual em que era possível se inscrever, mediante uma taxa de inscrição, para tomar parte no crime. o diretor da Faculdade de Ciências e Letras de Assis afirmou que irão ouvir "os envolvidos e estudar as medidas disciplinares, mas não queremos estabelecer um processo inquisitório". Concordo plenamente. Sou contra toda a prática persecutória, mas sou favorável que a justiça se dê de forma exemplar. Sou favorável que a "brincadeira" deixe de servir de argumento infantil, inocente, para uma juventude que é capaz das perversidades mais atrozes, das práticas mais bárbaras e imorais, e que depois se esconde atrás do argumento fácil da imaturidade, da irresponsabilidade juvenil, da inconsequência da idade.

Por fim, concordo com a Angélica: que os responsáveis sejam expulsos. Não há argumentos contra a intolerância, de qualquer espécie.
Saudades de quando eles queriam mudar o mundo e cometiam os equívocos mais típicos em busca disso.

Abraços do Márcio"
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Márcio, obrigada por permitir a reprodução.
Queridos visitantes, ainda acredito que podemos fazer diferença na educação de gerações.
Abraço
Tânia




Um comentário:

  1. Prezado Prof. Marcio Scheel

    Tendo procurado comunicar-me com v. sa por vários meios, faço uso agora deste blog para convidá-lo especialmente a participar do próximo número da revista Eutomia cuja chamada reproduzo:

    CHAMADA PARA TRABALHOS -Prazo Prorrogado-


    CHAMADA PARA TRABALHOS


    Eutomia - Revista Online de Literatura e Linguística - divulga chamada de trabalhos para o próximo número, Ano IV v. 2, dezembro de 2011, com os temas abaixo relacionados:

    Em Literatura
    1. "O Primeiro Romantismo como reação a Kant: Determinação reflexiva da Literatura, Reflexividade e Crítica, Ironia e Witz, o Eu e a Infinitude, o Gênero e o fragmento. A teoria da literatura que se desenvolve a partir do romantismo de Iena como premissa para o estudo das práticas correntes de crítica e teoria literária”.

    Com o desejo de contar com a sua valiosa contribuição em qualquer destes subtemas, solicitamos o envio de uma carta de aceite para eutomia@hotmail.com. Informamos que a Revista é classificada pela Capes com o Qualis B1. Pode ser visualisada em www.eutomia.net. Informamos também que no seu caso, como autor convidado, estendemos o prazo para envio da sua colaboração até 25 de novembro.

    Aguardamos confirmação deste convite
    Cordialmente
    Sueli Cavendish/Eutomia - Literatura e Linguística - UFPE

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