terça-feira, 7 de setembro de 2010

Trecho para despertar a curiosidade

A partir de hoje vou fixar uma postagem a ser chamada de "Trecho para despertar a curiosidade". Será um momento de trazer excertos de uma obra para aguçar a sua vontade de ler. Muitas obras são bem-vindas após um "aperitivo".

Hoje, quero compartilhar um trecho da obra A Vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação, de Peter McLaren. Sua primeira edição data o ano de 1977 e a segunda edição é de 1997. Não colocarei aqui um sumário fiel, mas o título de cada uma das partes que compõe o livro nos dará uma ideia melhor do conteúdo do livro:

  • PARTE 1: Sonhos despedaçados, falsas promessas e o declínio da escola pública
  • PARTE 2: Gritos no corredor: ensinando em um gueto suburbano
  • PARTE 3: Pedagogia crítica: uma visão geral
  • PARTE 4: Análise
  • PARTE 5: Outras vozes

Eis a Introdução da PARTE 2: Gritos no corredor: ensinando em um gueto suburbano, para podermos entender o porquê de o autor ter compartilhado seus diários de classe.

"Este capítulo mostra o número de incidentes ocorridos nos meus quatro anos de professor da escola elementar de um dos subúrbios da periferia de Toronto, conhecidos como Jane-Finch Corridor. Mudei os nomes dos estudantes, pais e professores e, em alguns casos, construí descrições compostas para proteger suas identidades. Alguns leitores talvez façam objeção à minha mudança de contexto de uma crítica à escola e à sociedade nos Estados Unidos para uma escola de periferia no Canadá. Eu argumentaria que os estudantes em desvantagem dos quais falo e os professores que com eles trabalham enfrentam diariamente lutas na sala de aula que não reconhecem os limites nacionais entre Estados Unidos e Canadá. A agonia desta situação, de fato, é que ela não só atravessa a fronteira entre dois países, mas também ocorre em uma variedade de cenários – cidades grandes e pequenas, subúrbios e áreas rurais. As lutas de muitos professores canadenses são semelhantes às lutas dos professores do Bronx e do Harlem, Roxbury e Watts, Youngstown e Cedar Rapids. Elas são experiências compartilhadas pelos professores em todos os Estados Unidos. Elas falam das condições comuns enfrentadas pelos estudantes e professores de muitas de nossas nações industrializadas, e representam um desafio coletivo para a profissão de professor e para a juventude que se constituirá na cidadania do futuro. (...)

Eu gostaria de deixar claro que o objetivo de reproduzir o meu diário de classe elementar não é discutir o que é pedagogia crítica – isto será feito nas Partes 3, 4, e 5. A função do diário é fornecer alguma visão a vida escolar como ela é vivida pelos estudantes e professores. Estas visões são apresentadas da perspectiva de um professor iniciante não familiarizado com as teorias discutidas nas sessões posteriores deste livro.

Esta parte é a mais problemática para mim, uma vez que, lendo-a de uma perspectiva de um teórico crítico, sou confrontado com minhas próprias fraquezas ideológicas e pedagógicas; ela me coloca face a face com a minha própria situação como um jovem professor nos discursos que inconscientemente atuaram contra minha própria intenção emancipatória. (...)

Apresento este diário ao leitor de forma a revelar minhas primeiras experiências como professor.

(p 48-9).

O primeiro capítulo, da segunda parte do livro, é todo constituído das interações do professor com seus alunos. Eis o primeiro dia:

Segunda-feira, 3 de janeiro

No primeiro dia, comecei minha lição inicial sobre "As pessoas e a Sociedade" perguntando aos garotos o que eles queriam e esperavam do curso.

Silêncio.

"OK," continuei sem desanimar, "vamos tentar de outro jeito. Quantos de vocês estão interessados no que acontece no mundo hoje: os problemas, a política, o meio ambiente, a mídia, o mercado de trabalho, essas coisas?"

Nada. Olhares vazios.

"Bem," continuei com determinação e um pouco de arrogância, "eu estou dando a vocês garotos a chance de escolher o assunto vocês mesmos. Vocês conseguem me ouvir lá atrás? O que será? Poluição? Guerra? Mais direitos às crianças? O que dizem sobre as idéias e projetos que têm?

Nada de vivas ou vaias. Nem mesmo um bocejo.

Agora eu já estava quase gritando de frustração "O que há com vocês? Se vocês não podem pensar sozinhos, então alistem-se no exército, onde há muitas ordens e poucas decisões."

Nada.

Legal, disse a mim mesmo. Isso não vai levar a lugar algum. Talvez eu esteja esperando demais. Exatamente quando pensei que todos tinham feito uma conspiração de silêncio, um garoto ergueu sua mão. Quis abraçá-lo, e esperei ansiosamente por sua pergunta.

Ele queria saber porque eu usava barba.

Ao ler este primeiro dia de aula, não consigo evitar de achar uma certa graça. Não por conta do constrangimento do professor, mas pelo nosso constrangimento geral, por ser uma experiência de fato recorrente em sala de aula.

Na sala de aula ideal, imaginamos alunos interativos e interessados, mas muitas vezes esbarramos em perguntas como: "professor, quando é o intervalo?" ou com esta curiosidade de ordem pessoal inesperada ''por que você usa barba?". E por aí vai...

A primeira vez que li este livro, eu era bem nova e me surpreendeu saber que escolas carentes existem em todos os países, mesmo nos desenvolvidos, que alunos excluídos, problemáticos e escolas carentes não são privilégio de países pobres ou remediados. Enfim, o tempo todo pensava "até no Canadá"?

Para mais dos diários de classe, segue a referência:

MCLAREN, Peter. A Vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação. Porto Alegre: Artes Médicas. 1977.




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