Quem leu Vidas Secas, de Graciliano Ramos, provavelmente se lembra de passagens diversas, porque a leitura nos marca de forma diferente.
Eu me lembro muito bem do problema para se expressar do personagem Fabiano, que acabou levando-o à cadeia. Lembro também do menino que pergunta a mãe o que é inferno.
Eu gostei do livro e este foi um dos trechos que mais me marcaram, pelo inesperado da reação da cachorra, eu ri demais:
"Acocorada junto às pedras que serviam de trempe, a saia de ramagens entalada entre as coxas, sinha Vitória soprava o fogo. Uma nuvem de cinza voou dos tições e cobriu-lhe a cara, a fumaça inundou-lhe os olhos, o rosário de contas brancas e azuis desprendeu-se do cabeção e bateu na panela. Sinha Vitória limpou as lágrimas com as costas das mãos, encarquilhou as pálpebras, meteu o rosário no seio e continuou a soprar com vontade, enchendo muito as bochechas.
Labaredas lamberam as achas de angico, esmoreceram, tornaram a levantar-se e espalharam-se entre as pedras. Sinha Vitória aprumou o espinhaço e agitou o abano. Uma chuva de faíscas mergulhou num banho luminoso a cachorra Baleia, que se enroscava no calor e cochilava embalada pelas emanações da comida.
Sentindo a deslocação do ar e a crepitação dos gravetos, Baleia despertou, retirou-se prudentemente, receosa de sapecar o pêlo, e ficou observando maravilhada as estrelinhas vermelhas que se apagavam antes de tocar o chão. Aprovou com um movimento a cauda aquele fenômeno e desejou expressar a sua admiração à dona. Chegou-se a ela em saltos curtos, ofegando, ergueu-se a ela em saltos curtos, ofegando, ergueu-se nas pernas traseiras, imitando gente. Mas sinhá Vitória não queria saber de elogios.
- Arreda!
Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e com sentimentos de revolucionários. (RAMOS, Graciliano, Vidas Secas, Rio,São Paulo: Record, 1999, p.39)
E você, qual o seu trecho preferido?
"Aprovou com um movimento a cauda aquele fenômeno e desejou expressar a sua admiração à dona". Dá até um quentinho no coração, não é?
ResponderExcluirhauhahua, eu sou suspeita. Este trecho para mim é perfeito.
ResponderExcluirDestaco: "ficou observando maravilhada as estrelinhas vermelhas", sempre adorei coisas que brilham...
E essa parte "se afastou humilhada e com sentimentos de revolucionários", que me fez viajar imaginando o que seria essa revolução.
Acho que me coloquei demais no lugar da Baleia. haha. Eu morderia as estrelinhas (just for fun)e a Sinhá Vitória (revenge). :D
Gostei da parte "Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e com sentimentos REVOLUCIONÁRIOS"
ResponderExcluirhahaha....DEVEM TER SIDO SENTIMENTOS PRA LÁ DE REVOLUCIONÁRIOS!!!!
uhahuahua, esse trecho dá o que pensar. Imagino a cachorra Baleia em sua ''vira-latice'' resmungando feito aquele cachorro rabugento de desenho animado.
ResponderExcluir"Indignado, o garoto saiu e pôs a chorar. A cachorra Baleia apareceu para consolá-lo, pulando e agitando o rabo. Ele não acreditava que um nome tão bonito como inferno poderia significar algo ruim. Mas lembrou-se de quando sua mãe carregava o baú e seu irmão sob o sol, e quando ele desmaiou de tanto calor, e quando precisaram parar sobre um juazeiro para aguentarem a viagem. Talvez aquilo fosse o inferno.
ResponderExcluirPreferiu parar de questionar, esquecer-se do cadcucascudo que levara mãe, ao mesmo tempo em que outras questões surgiam-lhe na cabeça. A palavra inferno, mesmo que bela já havia o prejudicado bastante. Tinha o apoio de baleia, o que era suficiente. Então o garoto abraçavaa cadela, que na verdade desgostava daquela carícia excessiva, pensava somente num osso que uma hora haveria de roer.