Eu gosto muito de livros que falam sobre livros, leitura e leitores. E gosto de colecionar exemplos de atividades de leitura que ampliam a noção de que ler é apenas decodificar letras.
Um dos meus livros favoritos é Uma história da leitura, de Alberto Manguel. Lançado em 1997, pela Companhia das Letras, esse livro tem muito da própria trajetória de Manguel como leitor, sem falar na busca histórica de tantas atividades de leitura e de menções a tantos leitores que ele faz. O livro começa com várias fotos e ilustrações de pessoas lendo.
Mas o que eu quero compartilhar hoje é um trecho que evidencia que a leitura está muito além da atividade escolar de decodificação. Vejamos como Manguel
(1997)
cita diferentes exemplos de profissionais – todos realizando atividades de leitura em seus domínios de atuação ou em atividades cotidianas – lendo textos que não fazem uso de um código escrito:
Ler as letras de uma página é apenas um de seus muitos disfarces. O astrônomo lendo um mapa de estrelas que não existem mais; o arquiteto japonês lendo a terra sobre qual será erguida uma casa, de modo a protegê-la das forças malignas; o zoólogo lendo os rastros de animais na floresta; o jogador lendo os gestos do parceiro antes de jogar a carta vencedora; a dançarina lendo as notações do coreógrafo e o público lendo os movimentos da dançarina no palco; o tecelão lendo o desenho intricado de um tapete sendo tecido; o organista lendo várias linhas musicais simultâneas orquestradas na página; os pais lendo no rosto do bebê os sinais de alegria, medo ou admiração; o adivinho chinês lendo as marcas antigas na carapaça de uma tartaruga; o amante lendo cegamente o corpo amado à noite, sob os lençóis; o psiquiatra ajudando pacientes a ler seus sonhos perturbadores, o pescador havaiano lendo as correntes do oceano ao mergulhar a mão na água; o agricultor lendo o tempo no céu – todos eles compartilham com os leitores a arte de decifrar e traduzir signos. Algumas dessas leituras são coloridas pelo conhecimento de que a coisa lida foi criada para aquele propósito específico por outros seres humanos – a notação musical ou os sinais de trânsito, por exemplo, ou pelos deuses – o casco da tartaruga, o céu à noite. Outras pertencem ao acaso. (MANGUEL, 1997, p. 19)
Por meio desse excerto de Manguel, tem-se uma enumeração das possibilidades de leituras, que não são necessariamente as verbais. Todos esses exemplos corroboram que há muitos objetos passíveis de leitura, além das letras que reconhecemos em um texto verbal, que nos permitem ampliar a nossa noção de leitura.
Somos hábeis em ler o mundo à nossa volta e em perceber expressões faciais. Nas profissões, as pessoas são capazes de dizer a idade de uma árvore, ao analisar o desenho formado em seu tronco. No cotidiano, sempre foram capazes de dizem se iria chover ou estiar de acordo com a leitura do céu.
Enfim, lembrar que estamos lendo, o tempo todo, era o objetivo do post de hoje. Depois voltarei algumas vezes a esse livro porque tem bastantes fatos interessantes sobre leitura nele.
O meu exemplar está encapado com contact. Mesmo assim a capa está amareladinha.
E para ter mais um gostinho, trago o texto da contra capa para das uma ideia do quão deliciosa é essa leitura.
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