domingo, 27 de fevereiro de 2011

Meu texto favorito de Scliar

Não sei por quanto tempo o escritor Moacir Scliar colaborou com a Folha de São Paulo. Por certo período, acompanhei os textos que ele escrevia a propósito das manchetes veiculadas no jornal. Um desses textos é esse que reproduzo aqui, Prece de Internauta, que ele escreveu após a manchete O papa João Paulo 2º está pensando em nomear Santo Isidoro de Sevilha como padroeiro dos usuários da Internet. Publicado na seção Mundo, do mesmo jornal, em 7 de fevereiro de 2001.


Meu encantamento com este texto foi imediato, até porque na época dei muita risada imaginando a pessoa rezando para o Santo. Depois acompanhei um pouco sua carreira e sempre lia suas entrevistas. Era um escritor de fôlego e de temas profundos. Este texto dele eu usei para desenvolver um artigo para a disciplina de pós-graduação no qual eu trazia uma proposta de análise linguística.





(Quem souber os créditos da imagem, por favor, avisar-me)



PRECE DE INTERNAUTA

(Moacyr Scliar)



O papa João Paulo 2º está pensando em nomear Santo Isidoro de Sevilha como padroeiro dos usuários da Internet. Mundo, 7. Fev. 2001.

A prece a Santo Isidoro de Sevilha foi elaborada especialmente para os internautas principiantes. O suplicante típico será o homem de meia idade, recém-iniciado nos mistérios da computação (para ele mistérios dolorosos, nunca gozosos) e que a murmurará com testa franzida, olhar ansioso e lábios trêmulos. Este devoto, que vê na informática uma invenção do demônio, planejada para abalar a fé dos espíritos fracos, espera no santo nada menos do que um milagre.



Valei-me, Santo Isidoro,

diante das teclas por ti clamo e choro.

Valei-me, Santo Isidoro,

na casa da ignorância eu moro.

Valei-me, Santo Isidoro,

por teu socorro imploro.

O computador, Santo Isidoro,

ameaça: decifra-me ou te devoro.

Salva minha cara,

Santo Isidoro,

pois de vergonha eu até coro:

de computação, Santo Isidoro, todo manual eu devoro.

É inútil, Santo Isidoro, porque em nada melhoro.

Teu socorro, Santo Isidoro, é como água para o cloro.

Sem ele, Santo Isidoro,

A internauta não me arvoro.

Por isso, Santo Isidoro,

A ti sem cessar eu oro.

Com fé: de profundis me trazes,

Santo Isidoro,

E à superfície enfim afloro.

Teu e-mail, Santo Isidoro,

Será para sempre meu sagrado foro.



Repetir esta oração três vezes, antes de ligar o computador. A seguir entrar na Internet. Atenção, porém: cuidado com mensagens supostamente enviada, da corte celestial, por alguém que se intitula Isidoro. Bem pode ser um vírus. E contra ele não haverá santo que lhe proteja.

Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 2001.

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Como vocês podem ver, faz tempo que tenho este texto.

Uma ótima semana

Abç

Tânia

Um comentário:

  1. Adorei ver pelo Google que alguém mais se apegou ao texto.

    Estou usando-o em minha tese de Doutorado em Sociologia. Em alguns meses ela deve estar publicada em http://www.rodrigomarques.info/homo-academicus.html

    A utilizo na discussão das possibilidades de atores sociais na criação de alguma forma de "segurança digital". Com o trabalho pronto depois explico melhor. Como utilizaste?

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